Fábio Muller Diretor Executivo
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Pobreza e Meio Ambiente: pobres são mais afetados por colapso ambiental

Artigo
16 fevereiro 2023
Pobreza e Meio Ambiente: pobres são mais afetados por colapso ambiental

Uma das agendas que têm aparecido com força (legítima, diga-se de passagem) nas últimas décadas é a agenda climática e seus possíveis impactos na humanidade nos próximos anos. Tem estado no enfoque, inclusive da imprensa, diante do aumento de catástrofes e crises climáticas, do aumento do impacto no mundo dos negócios e principalmente do aumento dos impactos na qualidade de vida das pessoas. Estudos e pesquisas já indicam que as populações mais vulneráveis e as regiões mais pobres são e serão as mais impactadas, em quesitos como insegurança alimentar e hídrica; questões de saúde agravadas por falta de acesso a saneamento básico e água potável; e maior vulnerabilidade a secas e tempestades.  

É consenso que vivemos um colapso ambiental. Colapso esse que não ocorreu de uma hora para a outra, mas foi se perpetuando de geração em geração, e atualmente é marcada por uma série de questões como: efeito estufa; aquecimento global; poluição do ar; níveis incomparáveis de CO2 na atmosfera; crise energética; produção e má gestão dos resíduos; vida urbana caótica; má distribuição, gestão e tratamento água potável; poluição de nascentes, de rios e de lençóis freáticos; dentre muitos outros. 

Nesse contexto, correlacionar a agenda climática e a questão da pobreza nos parece ser imperativo, dado que a degradação ambiental, o esgotamento dos recursos e próprio aquecimento global afetam diretamente a qualidade de vida das pessoas, em especial, das pessoas mais pobres. 

Ao olharmos para a questão do saneamento básico, observamos que a quantidade de domicílios ligados à rede geral de esgotamento sanitário ou com fossa ligada à rede cresceu em 2019, em comparação a períodos anteriores, entretanto, ainda assim, dados da PNAD Contínua (Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio) apontam que um em cada três domicílios brasileiros ainda não possuía ligação com a rede de esgoto. Tais domicílios com falta de saneamento, sabemos, são também os mais pobres. 

Vale destacar que nossa perspectiva do entendimento de pobreza, parte de uma perspectiva multidimensional, com destaque para a obra de Sen, que entende pobreza a partir do conceito de capacidades e engloba questões ligadas a nutrição, renda, educação, saúde, segurança, liberdades políticas, oportunidades sociais e direitos cívicos, o que, no nosso entendimento, correlaciona-se diretamente à perspectiva da promoção da prosperidade, como alternativa ao enfrentamento da pobreza.  

Diversos autores tratam da inter-relação entre degradação ambiental e pobreza e a principal conclusão extraída é que os pobres são as principais vítimas de um meio ambiente degradado e têm menos meios de escapar dessa realidade.  

Nessa perspectiva, extrai-se que qualidade de vida e a qualidade ambiental estão intrinsecamente ligadas. Essas questões também interferem na saúde. Por exemplo, a falta de saneamento e de água potável e o alto uso de pesticidas pode aumentar a incidência de diarreia e outras doenças. 

Outros dados e pesquisas reforçam essa perspectiva ao apontar que “quase metade da população mundial – de 42% a 46% dos habitantes humanos do planeta – já se encontra em uma situação de alta vulnerabilidade às mudanças climáticas. E a maior ou menor vulnerabilidade estão associadas a variáveis como gênero, raça e renda. Na América do Sul e na América Central, a vulnerabilidade é amplificada por fatores como desigualdades sociais, pobreza e mudanças no uso da terra, principalmente associadas ao desmatamento. Muitos eventos extremos, como inundações ou secas, elevação do nível do mar e erosão costeira, acidificação de oceanos e lagos, já estão impactando a região e devem se intensificar.” A informação é de Jean Ometto, que integra a equipe do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e a coordenação do Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG), citada durante webinário no dia 3 de março para discutir o sexto relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) sobre impactos, adaptação e vulnerabilidade (WGII/AR6), divulgado em 28 de fevereiro. 

Outro ponto importante trazido pelo mesmo relatório é que existem evidências consistentes de que a degradação ambiental e a destruição dos ecossistemas aumentam a vulnerabilidade das pessoas, especialmente dos povos indígenas, comunidades quilombolas e pesqueiras. 

Outro dado alarmante, foi apontado pela ONG Oxfam. De acordo com o relatório "Desigualdade Mata", o 1% de pessoas mais ricas do mundo emite mais do que o dobro de gás carbônico do que os 50% mais pobres do mundo. 

No Brasil, especificamente, os dados sobre desmatamentos e queimadas, violência contra povos originários, quilombolas e agricultores familiares e o aumento da pobreza, do desemprego e da fome apontam para uma imagem deteriorada que não vai se recuperar com promessas vazias, mas somente com ações concretas que garantam a correlação entre as políticas ambientais e sociais e  que gerem resultados mais efetivos para essas populações. 

Exemplo concreto disso é que, durante a pandemia do coronavírus – um problema ambiental –, quilombolas morreram quatro vezes mais que a população geral brasileira, e as mulheres foram mais afetadas emocionalmente. 

Isso fica ainda mais evidente ao olharmos para os povos originários, populações periferizadas e para a população negra em situação de vulnerabilidade. Esse fenômeno, já possui nome: o racismo ambiental. Conceito cunhado pelo ativista afro-americano e defensor de direitos civis Benjamin Chavis. Esse foi tema central da 26ª edição da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP26), apontando que é indissociável a luta ambientalista da luta pelo reconhecimento e respeito aos territórios dos povos originários e ancestrais. 

Assim concluem que: “defender a justiça ambiental e climática é também defender a justiça racial", de modo que o racismo ambiental denuncia, por sua própria definição, uma violação de direitos. Vale dizer que, ao olharmos para esse conceito numa perspectiva internacional, o racismo ambiental também se refere às relações ecológicas, desiguais entre o norte e o sul global.  

De forma bastante assertiva, a literatura sobre a temática nos aponta que ecossistemas degradados aumentam a fome e a vulnerabilidade, dificultando as possibilidades de pessoas mais pobres saírem da situação precária em que vivem (Comim, 2008; DFID et al., 2002). Portanto, atuar na promoção de agendas do meio ambiente, da agenda climática, do acesso à água e ao saneamento de qualidade são elementos fundamentais na formulação de projetos, programas e políticas para redução da pobreza. 

Esta crise ambiental que vivemos atualmente é uma crise da civilização. É a crise de um modelo político social que depredou a natureza e negou as culturas alternativas. O modelo da civilização dominante degradou o ambiente, subvalorizou a diversidade cultural e desconheceu povos (o indígena, o negro, a mulher, o pobre). Assim, promover ações ambientais que permitam a reflexão e revisão destas posturas é condição para a manutenção da vida na terra.

A partir dos seguintes referenciais, traçamos as premissas do CIEDS para o trabalho com questões ambientais, que passa a se intensificar em 2023: 

  • Relação entre pobreza e agenda climática;  

  • Temática presente em todos os projetos da instituição como ação transversal e permanente; 

  • Aumento da consciência crítica acerca dos temas relacionados ao Meio Ambiente; 

  • Fomento ao diálogo permanente com o território; 

  • Estímulo à reflexão e formação de consciência crítica e cívica do morador do território; 

  • Aumento da interação entre sociedade, empresas, organizações sociais e população; 

  • Articulação e tensionamento da reflexão crítica sobre a interdependência dos problemas da realidade. 

A interseção de políticas públicas, com ações de empresas privadas e da sociedade civil organizada, aliadas a uma mudança no comportamento, atitude e valor de cada indivíduo, é condição para esta mudança, que é extremamente necessária para a continuidade da vida do homem na Terra, tal qual ressalta o jurista Edis Milaré: “A Questão Ambiental é uma questão de vida ou morte, não apenas de animais e plantas, mas do próprio homem e do planeta que o abriga”. (MILARÉ, 2005, p.50).  

Se não soubermos enfrentar questões sociais – como miséria extrema; desigualdade social; baixa escolaridade da maioria da população; inacessibilidade aos programas de saúde para as pessoas mais pobres e sua baixa qualidade; discriminação por sexo, religião ou raça; violência doméstica e urbana; violência sexual, principalmente contra as crianças; corrupção no poder público e impunidade – não teremos condições de usufruir dos benefícios da geração de riquezas e não poderemos trabalhar pela promoção da agenda ambiental, e vice-versa. 

Fotos: Projeto Mais Perto do Céu