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O Estado do Brasil: uma entrevista com ONG brasileira

Notícia
21 agosto 2017
O Estado do Brasil: uma entrevista com ONG brasileira

Em março de 2014, o Brasil foi chacoalhado com um escândalo de corrupção que alterou drasticamente o ambiente político, social e econômico do país. Conhecida como Operação Lava Jato, essa investigação envolveu as maiores firmas de construção do Brasil, a petroleira estatal Petrobras e os políticos do Partido dos Trabalhadores. As alegações incluíram suborno a empresas e muitas pessoas do alto escalão público, incluindo o ex-presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva.

Depois que o ex-presidente Lula deixou o cargo, a Sra. Dilma Rousseff assumiu. No entanto, seu segundo mandato durou apenas pouco mais de um ano, uma vez que foi declarada culpada de transferir fundos entre os orçamentos do governo, uma acusação completamente independente da Operação Lava Jato. Por um lado, seus críticos citaram isso como prova de que a ex-presidente estava tentando garantir sua reeleição. Por outro, seus apoiadores acreditam que ela foi retirada do cargo porque se recusou a limitar as investigações da Operação Lava Jato. Ela foi sucedida por Michel Temer, que desde que assumiu o cargo no ano passado, já foi acusado pela Procuradoria Geral da República de receber suborno da empresa processadora de carnes JBS.

 Além de todos esses eventos políticos, a economia do país parece estar ficando fora de controle. A Olimpíada Rio 2016, que muitos esperavam reavivar a economia, só piorou a situação. Em meio a toda essa turbulência política e econômica, os brasileiros ficaram insatisfeitos com a situação do país. Alguns se voltaram para protestos violentos, enquanto outros recuaram para o silêncio amordaçado. Para obter informações sobre o clima no Brasil, a correspondente do Glimpse from the Globe, Leia Wang, entrevistou Vandré Brilhante, Diretor Presidente do CIEDS, a terceira ONG mais influente do Brasil, sobre o impacto do clima político sobre as ONGs, as opiniões do público sobre os recentes escândalos e sua perspectiva sobre o presente e o futuro da política brasileira. Abaixo estão as transcrições da entrevista por e-mail.

ONGs no Brasil

GLIMPSE: Qual papel as ONGs desempenham no Brasil?

BRILHANTE: ONGs desempenham vários papéis diferentes no Brasil. Por exemplo, eles advogam por causas específicas, realizam treinamento profissional, dão suporte em assistência social, a atendimentos públicos e assim por diante. Novos movimentos estão começando a suscitar novas preocupações para o setor, especialmente os relacionados à boa governança, justiça, democracia e um futuro comum melhor.

GLIMPSE: Quantos dos recursos do CIEDS são oriundos do governo, no passado e atualmente? E quanto a outras ONGs?

BRILHANTE: O CIEDS parceiriza com um grande número de empresas privadas para desenvolver muitas iniciativas relacionadas à capacitação, ao empreendedorismo, à participação de jovens em iniciativas educacionais e outras relacionadas à cultura, esportes e proteção ambiental.

No entanto, a principal fonte de financiamento para o CIEDS vem do setor público, especialmente da Prefeitura do Rio de Janeiro. Estes montantes são elevados por termos acordos para a implementação de serviços de saúde e educação entregues a milhares de cidadãos. Esta realidade é a mesma para outras ONGs que operam e apoiam políticas públicas, como assistência social e saúde pública.

GLIMPSE: Você acha que esta é uma fonte confiável de financiamento? Você acha que o valor mudará no futuro?

BRILHANTE: Não se trata de ser confiável ou não, mas é uma questão de falta de continuidade e até consistência, as prioridades de administração mudam com muita frequência. A falta de confiança está mais relacionada à relação e ao processo de colaboração do que com os recursos. O Terceiro Setor ainda é visto como um fornecedor de serviços, não um parceiro no processo de desenvolvimento. Se considerarmos que as questões sociais estão ficando maiores e mais complexas não só no Brasil, mas no mundo todo, o montante dos fundos também aumentará.

GLIMPSE: Você acha que o clima político atual representa um desafio ou uma oportunidade para as ONGs?

BRILHANTE: Ambos. A instabilidade política ou mudanças bruscas trazem instabilidade na economia e na sociedade também. Isso leva à diminuição dos investimentos e das vagas de trabalho. Isso causa diminuição na renda das famílias e reduz a confiança no futuro. Pobreza e muitos outros problemas sociais que surgem exigem que a sociedade responda com criatividade e colaboração. Nesse sentido, o papel e a importância das ONGs aumentarão.

Situação atual

GLIMPSE: Qual é a atitude atual do público? A maioria das pessoas está frustrada ou resignada?

BRILHANTE: Nós, em geral, não temos confiança em nossas principais instituições, incluindo o poder executivo, o Congresso, a Justiça, grandes empresas privadas e ex-líderes. Existe um senso comum de frustração e uma perspectiva negativa de futuro. É como se não houvesse nenhuma instituição em que confiar e todo mundo começa a pensar sobre o seu próprio futuro, levando à falta de sentimento comunitário e coletivo.

GLIMPSE: O quanto a maioria das pessoas que vive no Brasil está informada ou politicamente ativa?

BRILHANTE: Estamos extremamente informados e conscientes. As comunicações fluem livremente no Brasil e todos estão conectados à internet e com notícias frescas o tempo todo. A discussão hoje é sobre a qualidade de informações que recebemos e compartilhamos, e não a quantidade.

GLIMPSE: O governo tem um grande efeito sobre a vida diária das pessoas? Em caso afirmativo, como?

BRILHANTE: Em todo lugar, o governo central administra os principais instrumentos para promover a estabilidade ou o crescimento econômico. Os governos também promovem uma sensação de bem estar entre a população quando os serviços sociais estão melhorando e quando há uma estabilidade política e institucional. Se o cenário não é esse, a população se sente insegura e perturbada.

Sua visão

GLIMPSE: Qual foi sua reação ao escândalo da Petrobras?

BRILHANTE: Muito negativa. O escândalo da Petrobras mostrou apenas o topo de um enorme iceberg de corrupção nas instituições brasileiras, públicas e privadas. Isso trouxe uma sensação de falso desenvolvimento e eficiência, pois todos os "sucessos" na indústria do petróleo basearam-se na corrupção interna e externamente.

GLIMPSE: O que você acha do presidente Temer?

BRILHANTE: Ele representa um antigo tipo de liderança que é centralizado e não representativo da população.

GLIMPSE: A política brasileira é confiável ou precisa ser reformada?

BRILHANTE: As instituições brasileiras estão passando por um momento de instabilidade, mas considero esse processo uma chance de ficarem mais fortes e mais confiáveis. Sem dúvida, sendo uma nação democrática nova e que lida com enormes questões sociais e desafios, há muito espaço para mudanças. Algumas são urgentes, como a própria reforma política. Por exemplo, precisamos de uma representação mais atual e próxima das pessoas. Outros são muito importantes como descentralização e melhoria econômicas e educacionais.

GLIMPSE: O que você acha que pode ser feito para mudar a situação?

BRILHANTE: Nós, brasileiros, precisamos aprender a escolher melhor os nossos representantes locais e nacionais. Para fazer isso, precisamos entender e aprender sobre nossa representação. Nosso sistema político precisa ser baseado em uma forma moderna e eficaz de governança. Além disso, a economia precisa ser mais descentralizada e promover mais igualdade. Educação pública, justiça e ética precisam ser prioridades da sociedade e não apenas uma agenda política. Se nós, as pessoas comuns, percebermos que somos parte do problema e parte da solução, muitas boas perspectivas e mudanças se tornarão realidade. Todo mundo precisa começar a agir de forma mais colaborativa e coletiva para trazer de volta o senso de cidadania perdida devido a tantas crises políticas e econômicas. Ainda somos uma nação nova, mas nossas urgências sociais não podem demorar mais para ser abordadas. Precisamos mudar e iniciar as mudanças.

Tradução de Loren Almeida

Encontre aqui a entrevista em inglês.