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Marabá (PA) recebe pré-vestibular comunitário inspirado na Maré (RJ)

Notícia
31 janeiro 2022
Marabá (PA) recebe pré-vestibular comunitário inspirado na Maré (RJ)

Com uma metodologia de ensino inspirada numa iniciativa do Redes de Desenvolvimento da Maré, organização da sociedade civil que atua há 20 anos no conjunto de favelas da Maré, no Rio de Janeiro, o CPV (Curso Pré-Vestibular) Marabá levou ao município do Pará aulas de preparação para ingresso no ensino superior, entre julho e dezembro de 2021. O objetivo foi ampliar o campo de possibilidades educacionais e existenciais dos moradores de Marabá e entorno. A iniciativa foi da Fundação Vale e da Estação Conhecimento de Marabá, em parceria com o CIEDS e com investimento da POSCO e da Vale.

Um pré-vestibular popular é uma ação afirmativa que se contrapõe ao sistema meritocrático. A lógica de acesso ao ensino superior é afetada por essa concepção distorcida e o ingresso na universidade ainda é uma barreira para as camadas populares, em especial nas regiões menos desenvolvidas do país. Um curso pré-vestibular para estudantes de classes populares representa uma janela de democratização da educação em um nível ainda mediado pelos privilégios da estrutura social brasileira.

O projeto de referência foi o Pré-Vestibular Comunitário da Maré, cuja metodologia foi formulada pela Redes da Maré e levada ao Pará em parceria com o CIEDS. O foco foram faculdades estaduais, federais e o ENEM. Em função da pandemia, as aulas foram ministradas ao vivo de forma remota e foram gravadas e disponibilizadas via link para todos os estudantes. Dessa forma, em caso de dificuldade ou instabilidade de sinal de internet, os estudantes puderam assistir a qualquer momento.

Os critérios de seleção dos alunos foram: moradores de Marabá, com prioridade àqueles que residem em periferias; pessoas que tivessem concluído ou que estivessem cursando o terceiro ano do ensino médio; pessoas que se encontrassem em situação de baixa renda; e pessoas que não estivessem matriculadas em outros pré-vestibulares.

Além desses critérios, durante a seleção dos participantes houve a garantia de diversidade do público beneficiário do projeto, sendo priorizadas pessoas negras, indígenas, mulheres e LGBTQIA+. Ao todo, foram 105 estudantes inscritos, sendo 86 pessoas pretas e pardas, 66 mulheres, duas pessoas indígenas, duas LGBTQIA+ e uma pessoa com deficiência. Apesar das aulas serem online, para a realização do projeto, foram contratados prioritariamente profissionais do município de Marabá, como forma de valorização dos saberes locais.

"Quando entrei e percebi que era um projeto focado em educação popular, de imediato tive uma identificação. Percebi que não seria apenas mais um emprego ali naquele momento de pandemia, realmente me identifiquei. Apesar das dificuldades do ensino remoto, de perder o contato com os alunos, foi algo que me acrescentou muito enquanto profissional. O CPV Marabá modificou minha percepção sobre educação popular. Entrei uma professora e saí outra", conta Ana Paula Gomes, professora do curso pré-vestibular, formada em História na Universidade do Estado do Pará, original de Belém, mas que residia em Marabá.

Com base na experiência de 20 anos do curso pré-vestibular da Redes da Maré, é possível perceber que iniciativas de educação popular têm potencial transformador e produtor de resultados significativos, que podem ser mensurados tanto de forma objetiva, como a aprovação dos alunos nas universidades, como também de formas que se relacionam com dimensões subjetivas da vida, de impactos em sociabilidades e visões de mundo.

"A educação popular me permitiu conhecer outras realidades. Embora seja óbvio, às vezes nós generalizamos tudo. Cada aluno era diferente e trazia coisas novas, outras realidades. Acrescentavam muito nas aulas, contando suas experiências de vida, íntimas, em sala. Os alunos se sentiam mais à vontade para conversar sobre inseguranças, sobre dificuldades. A educação popular, nesse formato híbrido, ultrapassou a sala de aula. Pude conhecer mais da realidade dos alunos, das famílias, das vivências deles na pandemia", conta Ana Paula.

O CPV Marabá, para além do preparatório para os exames de acesso à universidade, configura-se como uma experiência ética, política e afetiva entre todos os atores envolvidos e entre eles e o território, numa construção de redes para a prosperidade.