O melhor investimento para o jovem é a permanência na escola.

Filho de rico estuda até “se formar” na universidade, filho de pobre tem que trabalhar para “garantir” o seu futuro.

Com essas colocações tão presentes em nossa cultura e baseadas em fatos reais e históricos, temos, enquanto sociedade brasileira, conseguido promover a hereditariedade da pobreza e a descrença na escola pública como o melhor investimento para o desenvolvimento econômico e social de nossos milhões de jovens.

E esse fato parece que é colaborado por vários fatores sociais e até mesmo políticas públicas, se não vejamos:

  • O ensino médio no Brasil é de responsabilidade das unidades federativas, os estados.  Isto posto, temos 27 sistemas educativos distintos que colocam as escolas de ensino médio como espaços “sem donos”, localizadas nos mais distantes grotões do Brasil, dificultando um acompanhamento pedagógico e mesmo a manutenção das mesmas;
  • Cerca de 60% das escolas de ensino médio compartilham espaços físicos com escolas das redes municipais e funcionam no turno da noite, expondo alunos e professores ao desgaste físico, violência das ruas e distanciamento do convívio familiar;
  • Muitos projetos sociais, assim como ações empresariais de responsabilidade social, têm no Primeiro Emprego a solução para a pobreza dos jovens de 16 anos em diante.  O jovem que inicia o trabalho quase de imediato, com raras exceções, coloca a escola em segundo plano, abandono-a, e compromete todo o seu futuro pelo mísero ganho emergencial.   Os jovens ao receberem seus primeiros salários, por mais baixo que sejam, já se empoderam de seus destinos, delegando à escola um lugar bastante distante do rol de suas preferências e planos futuros, tornando-se assim adultos antes do tempo;
  • As entidades profissionalizantes do sistema “S” (SESI, SENAI, SENAC, SEBRAE) e o Ministério do Trabalho, em sua quase totalidade de ações, nunca atuam de forma conjunta e continuada com a rede das escolas estaduais. Seguem por conta própria replicando um modelo ultrapassado de formação, desconectado do tempo dos jovens, e ainda concorrem com as escolas disputando os melhores anos;
  • O MEC, Ministério da Educação, até a presente data, não tem uma politica única para o ensino médio no Brasil que oriente os estados na sua implementação.  Muitas escolas oferecem até 19 disciplinas, mesmo que não tenham número de professoras suficientes em seus quadros.  E, diga-se de passagem, estas disciplinas em grandes números são desconectadas da realidade e das demandas formativas dos jovens.  O mesmo MEC declara que o ensino médio prepara o jovem para o vestibular e não para o seu futuro;
  • Todo o sistema de formação e orientação vocacional do Brasil está dissociado da escola e mesmo das empresas.  As empresas, que hoje reclamam da escassez de mão de obra de qualidade para atuar com as novas tecnologias e dos altos custos da produção no Brasil, ao apoiarem ou implementarem seus programas de responsabilidade social e formação profissional, o fazem em espaços distintos e distantes das escolas públicas.  O fazem repetidas vezes sem sucesso porque o jovem não tem educação básica sequer para aprender uma nova técnica;
  • Métodos e professores contratados pelos estados continuam aplicando metodologias educativas arcaicas e comprovadamente ineficazes enquanto instrumentos de ensino e aprendizagem.  As disciplinas obrigatórias são as mesmas da década de cinquenta, quando o homem sequer tinha ido à lua;
  • A manutenção física das escolas é feita de forma centralizada pelos estados através de licitações que contratam empresas únicas, levando a um verdadeiro sucateamento das escolas.  Muitas delas são espaços mesmo insalubres;
  • As famílias, especialmente nas classes mais baixas, veem as escolas como um “depósito”, onde os pais e mães delegam ao estado a educação de seus filhos.  Estes pais, na maioria das vezes, são incapazes de orientá-los para o processo educativo ou permanência nas escolas porque eles mesmos nunca ou pouco as frequentaram e não têm, assim, parâmetros para orientar as escolhas de seus filhos.  No geral, ainda exercem pressão para que eles complementem a renda familiar;
  • E por fim desta lista de apenas 10 motivos que colaboram contra o ensino médio no Brasil, constatamos que todo o sistema educacional do ensino fundamental - 1º ao 9º ano, está sob a responsabilidade das mais de 5.600 prefeituras municipais que não apresentam o menor grau de articulação com as escolas estaduais, do ensino médio.  A criança e o jovem brasileiro não contam com um processo curricular continuado e complementar e têm na transição do ensino fundamental para o ensino médio um processo altamente desestimulante e até mesmo sofrível na rede pública brasileira.  Começa o processo do incerto, onde o jovem é colocado em uma escola por sorteio (no caso do Estado do Rio), dependendo ou não se a mesma fica próxima de sua residência.

Diante destas colocações, o que leva ainda milhares de meninos e meninas a ingressar e permanecer no ensino médio no Brasil?  Qual o custo que o Brasil paga e pagará por este descaso?  Não é um absurdo e nem uma irrealidade afirmar que o crescimento do país – social e econômico, vai estagnar em curtíssimo prazo. 

Por que temos que nos rebelar contra este descaso?

  • Porque não é justo que não demos a nossos jovens mais pobres a chance de vencerem os ciclos históricos de pobreza familiar;
  • Porque queremos que os benefícios do crescimento econômico do Brasil sejam os impulsionadores do bem estar de todos e não apenas dos mesmos beneficiários históricos;
  • Porque queremos não ter medo de um jovem negro, que mora em um bairro pobre. Não queremos mais associar pobreza à cor;
  • Porque não queremos mais viver com a violência que nos cerca, com a falta de esgotos, com a miséria que nos tira o sono, com a corrupção que viola nossos direitos mais básicos;
  • Porque queremos uma cidade integrada, e são as escolas as instituições públicas mais permanentes nas áreas mais pobres de qualquer cidade do Brasil.  E são estas, somente estas escolas que podem ser os agentes transformadores da sociedade brasileira.

Por fim, se faz necessário que governo federal, estadual e municipais, instituições profissionalizantes, sindicatos, empresas, ONGs e universidades públicas e privadas se unam para a formulação de um pacto integrado para o futuro da juventude e desenvolvimento justo do Brasil. Esse pacto deve ter na escola de ensino médio, em especial, a força e o espaço adequado de formação educativa, de orientação vocacional, facilitadora do entendimento do papel do jovem no processo de construção de uma sociedade brasileira tão desejada e prometida.

Autor: Vandré Brilhante - Economista e Diretor-Presidente do CIEDS